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14/10/2012

journal FXIV

tem que ver essa letra aí


07/11/09
Ois meus,

Ontem fui num teatro em que o personagem psicólogo fazia experimentos com a associação de palavras. Uma das associações era com a palavra mão. O que eu responderia se fosse submetida a uma experiência parecida? Hoje no trem, voltando dos dois filmes mais estranhos que eu já vi na vida, tinha um velho segurando uma mala. Olhei pra sua mão. Lembrei das associações da peça e das entrevistas que a Xuxa fazia. Pensei nas minhas respostas: mão - velhice; tempo - velhice; vida - morte; morte - medo. Desconfiei da repetição. Parei de pensar. "Cité Universitaire" a voz do trem soou. O que eu responderia se fosse Cité Universitaire? Casa? Estação? Chineses? Saí do trem e senti frio. Frio, talvez? Fui andando e vendo as pessoinhas ainda sentadas dentro do "conforto", esperando partir para seus devidos destinos. Fui olhando uma a uma e algumas me voltavam o olhar. Cada pessoinha sentadinha em uma cadeirinha. Pessoinhas para todos os lados. Quantos olhos me olhando! O trem começou a se mexer. As pessoinhas foram sumindo dentro do túnel e eu tive vontade de correr atrás delas. Depois veio a escada rolante. E o menino de capuz na minha frente. Ele fez um movimento estranho com a mão. Achei esquisito. Um minuto depois me peguei fazendo o mesmo movimento e ri: assim como eu, ele estava vendo se chovia. Não estava. Ainda cruzei duas vezes com ele antes de atravessar a rua. Senti uma gota fria coçar na minha bochecha. Depois uma na testa. Passei pelo portão tentando não esquecer tudo que havia acabado de ver. Todas aquelas pessoinhas, todas aquelas vidinhas, uma mais diferente, mais estranha, mais vazia que a outra. Quis correr pra chegar mais cedo em casa e colocar tudo pra fora. Precisava escrever, vomitar uma bola de pelo. Um minuto antes tinha reparado como os pombos são engraçadinhos. Alguém deveria fazer um estudo sobre o engraçadinho dos pombos. Se fosse nascer bicho, que bicho seria eu? Ou um pássaro, ou um gato. Eu adoro os pássaros. E os gatos. Lembrei da bola de pelo que eu queria vomitar. Talvez fosse melhor reencarnar em gato pra poder vomitar todas as bolas de pelo que eu bem quisesse. Seria da minha natureza vomitar bolas de pelo. Subi as escadas. 3 andares intermináveis, mas que volta e meia terminam bem rápido. Pensei nas pessoinhas, cada uma em uma cadeirinha. Pensei nas joaninhas esmagadas. Acabara de cruzar com uma no degrau que acabara de subir. Um degrau para cada pessoinha, um degrau para cada joaninha. E a cabeça não parou sequer por um minuto. Quis escrever os outros dois journais que faltaram. Agora não quero mais. Quero e não quero. Já nem sei mais. Na dúvida, opto pelo seguro. Não que vocês estejam perdendo muito: algumas reuniões em que pude conhecer melhor o tipo “francês”, algumas idas ao cinema, algumas doenças, algumas falências. Quando liguei meu computador, ele ameaçou não obedecer. Ele anda se comportando de maneira estranha, acho que é trauma do suco. Talvez eu volte na loja. Espero mesmo não ter que pagar por mais nada que seja. Espero mesmo é que não seja nada. Só o susto. Porque o susto sempre é. Hoje, por exemplo, levei um susto achando que ia morrer num ataque terrorista. Depois achei que estava desenvolvendo uma certa síndrome do pânico, mas agora acho que estou desenvolvendo é minha hipocondria. Eu penso e acho e imagino muitas coisas. Fica difícil encontrar verbo pra tanto. E só essa ultima hora da minha vida me rendeu uma pagina. Eu poderia escrever minha tese sobre minha vida. Bastariam 100 horas. Em uma semana eu teria meu trabalho pronto. E poderia partir en voyage sem me preocupar mais. Em duas semanas vou para Lyon. Visitar o Étore e conhecer a cidade. Mais pelo segundo motivo do que pelo primeiro, confesso. A minha primeira e última falência nessa terra me faz ter culpa de tudo que faço, inclusive comer. Conto os centavos que gasto (como antes) mas agora sempre com um certo incômodo em gastá-los. Eu odeio tecnologia. Sempre fui moça antiga. Sempre gostei dos livros clássicos e dos filmes de época. Há pouco pensei no valor de carta perdida que o email tem. Em outros tempos, nem a metade de vocês receberia noticias minhas, e estas seriam a metade mais escassas. Alguma coisa dentro de mim revira. Não é o cereal integral que eu acabei de comer. Nem o leite. Nem a bola de pelo. Na verdade eu não como meus cabelos, então nunca poderia realmente vomitar uma bola de pelo como eu gostaria. O que é que revira? Os filmes mais estranhos da minha vida? Minha cabeça que lateja? Meu espírito inquieto? Paris é uma cidade que dá muito trabalho. E eu não estou falando de trabalho físico. As folhas agora já estão quase todas no chão. A cidade começa a ganhar um tom mais sombrio, mais seco, mais triste. Os tímidos sol e céu azul ajudam de vez em quando a animar os ânimos. Os vermelhos, os amarelos, os laranjas e os verdes que eu tanto quis falar da outra vez agora jazem todos amarronzados no chão. Vira e mexe quero tirar uma foto. Percebi que é sempre das folhas. Achei chato. E também nunca estou com minha câmera. Valeria mais uma foto na mão do que memórias voando? Descobri que os queijos podem ter cheiro de igreja. Ainda não descobri se as galinhas bóiam. Descobri um ponto do meu corpo que arrepia fácil com um cheiro. Descobri isso vendo uma propaganda de perfume. Não sei quem falou em luxo, mas Paris pode ser uma cidadezinha chamada Piras, sem dinheiro. Não, eu ainda não fiz nenhuma compra excepcional, nenhuma roupa arrasadora, nenhum sapato tendência. Os cabelos aqui não ficam naturalmente brilhantes, nem a pele macia como um pêssego. As pessoas normais pegam ônibus, trem, metro e bonde, todos lotados o tempo todo. As pessoas normais usam preto e algumas outras poucas cores, todas em roupas mais que convencionais. E é em Paris que tenho descoberto as mediocridades do espírito, do meu espírito. Me descubro sem grandes ou verdadeiras ambições. A pergunta que mais me incomoda nas rodinhas sociais é “Mas, e depois, quais são seus planos, porque, assim, o que alguém que estuda cinema faz, pode fazer da vida?”. Às vezes lembro que meu maior sonho já foi o Oscar. Não sei bem em que momento eu desisti, ou esqueci dele. Agora meu maior sonho não é grande para ser maior, não sei nem se chega a ser um sonho. Acho que de sonho mesmo só os que eu tenho à noite. Quem sabe quando eu tiver minha casinha, eu também não tenha meu Oscar? Quero que ele seja gordo e lustroso como o daqui da Cité. Quase azul de tão preto. Que ande rebolando. E que tenha os olhos de um amarelo que eu nunca tenha visto antes. Quase branco de tão brilhante. Olhos cor de luz e pelo cor de noite. Sinceramente, não acho que vai se chamar Oscar. Agora, antes da página virtual, o journal passa pelo Word.  Meu maior erro é não me permitir o erro. Talvez eu possa responder às rodinhas sociais que pretendo ser a pessoa que escreve a sorte do Orkut. A sorte do Orkut tem sempre que escrever justamente o que precisamos ler naquele momento específico do dia. Eu precisava ler a bola de pelo. Já no final da segunda página, considero novamente a possibilidade de escrever minha tese sobre minha vida. Se um dia eu for uma pessoa de razoável interesse/respeito público, teria poder pra isso? Talvez. Na sessão publicitária a que somos submetidos antes do filme começar no cinema, vi o lançamento da auto-biografia do Michael Jackson. Será que presta? Pela capa acho que não. Agora a diferença do fuso-horário baixou para 3 horas. Dizem que os europeus envelhecem antes dos brasileiros. Tendo envelhecido mais que vocês, quando eu voltar, rejuvenesço?


Dessa vez não foi o fim. E também não é um começo.

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