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30/11/2012

journal FXV

hoje, revirando alguns papéis,


19/11/09

Ois saudosos,

O journal de hoje vai mesmo só pra ir, apenas com os relatos superficiais na medida do físico. Tudo porque o tempo não pára. Sábio Cazuza. Aqui já é tarde e amanhã cedo parto en voyage para Lyon.

De curiosidades essa semana teve a exposição de jóias do Dali. Valeram as esculturas em bronze e as ilustrações; valeu descobrir sua religiosidade e seu amor incondicional pela sua mulher Gala; valeram algumas frases de efeito como "as jóias deveriam ser inutilisáveis", e ver uma xícara que foi projetada para não ser usada. Também fui numa exposição de um homem que descobriu a cor na tinta preta. A ideia era até boa e funcionou em muitos casos, mas depois que fiz as contas e percebi que ele passou 50 anos da vida dele produzindo a MESMA coisa, lembrei do Picasso e fiquei com preguiça. Também teve uma exposição de fotografias dos surrealistas que foi bem legal. Eram umas fotos mais experimentais, mais íntimas da vida dos famosos, e de outros nem tão. Também teve o de sempre: cinema. Benditas carteirinhas motivadoras. Também teve o de nunca: museu da historia de Paris. Valeram os quadros que retratam o início da construção da cidade. Paris também já foi mato, já foi interior, já foi nada. Também teve o showzinho de blues e folk. Era num lugar meio buraquento, mas bem tranquilão. Para os curiosos /marioncorralesmusic  e /heygarçons. Também tinham outras tantas coisas que eu queria contar, como a dança da sombra das árvores nas fachadas dos prédios e as folhas passarinho, mas também tem o tempo, que não pára. 

Entón vos deixo, com a música latejando muda na cabeça.

Bisous

24/11/2012

journal DII, journal FXII


os dois reflexos estavam de costas um para o outro. as pessoas foram ficando pelo caminho, deixando os dois cada vez mais a sós.

o quarto trem foi musical. vim sentada ao lado de um descendente de viking. seus traços eram suaves, tinha a delicadeza de uma pluma. a carreira de bárbaro definitivamente não lhe cabia.

o zíper da bolsinha da senhora estava quebrado: punctum. janis joplin me dava vontade de saltar do vagão em movimento e sair correndo pelos campos. campo, campo, campo, casinhas de telhado vermelho amontoadas em volta de igrejinhas pontudas e simpáticas. é isso a alemanha.

em stuttgart eu me apaixonei três vezes, uma por uma mulher. esses meus amores de verão... passam na minha frente tão rápido quanto as férias. um deles ainda olhou para trás. eles vem, roubam meu coração com sua beleza e vão embora, levando a minha história de amor junto com eles.

a inocência tem som de risada de criança. os pequenos cantam sem vergonha do mundo. onde é que nos perdemos?

os carrinhos amassados eram brinquedos velhos amontoados num canto qualquer.

o homem sem dentes lia sem atenção um livro sobre artes marciais. tinha os olhos azuis de um louco.

o quinto trem foi um avião. dor e sofrimento são duas coisas diferentes.

paris fez bater um sentimento forte de mundo. são tantas pessoas, tantas vidas, tantas histórias andando pra lá e pra cá... é quase insuportável imaginá-las acontecendo.

paris também me fez pensar sobre o tempo parado e o tempo que muda. quem é que decide? depois de dois anos longe, esperava um reencontro cheio de angústias e saudades. de silêncios e fantasmas. de dentes. mas era como se eu nunca tivesse partido, como se eu tivesse a cidade inteira dentro de mim e nada mais me fosse misterioso, por mais segredos que as ruas ainda me escondam, e eu sei que escondem. esperava inquietação, anseio, e foi tudo ao contrário, quase que sem brilho, pipoca. revirou toda a tripa do querer viver. ajna.

ce matin, j'ai appris que les amours imaginaires resteront toujours imaginaires. le silence par contre, est réel. il sera toujours là.

pensei que não se pode ter o azul, o amor e a beleza juntos. mas como escolher?

já de volta, assolada pelo sistema, esquecida das histórias, cansada e ainda inquieta, repenso minhas tripas. eu queria falar da beleza das pedras, que me rasga, e também das nuvens que me evaporam, mas eu mesma já não aguento mais tanto vidro, carne e pipoca. a cidade que me falta não existe. ela é feita de saudade, tem cheiro de chuva e cor de tempo. a cidade que me falta é como a minha história de amor.

o gozo III

pele macia, carne rija. quanto mais a memória afunda, mais quente a carne endura. e assim vai, água e desejo. levanta, onda furiosa! lava esse corpo de saudade… mas finda em espuma fina, que o meu coração é porto.

23/11/2012

charles

que olhos! eu queria poder desenhá-los, mas a minha linha não tem a energia das pessoas. eram grandes de mel brilhantes, olhos de cílios longos formando um contorno bem marcado. sobrancelhas grossas, nariz longo e fino: três retas afilando em uma ponta sóbria. tinha o rosto curto, maxilar presente, boca pequena e preenchida. dentes pequenos e escuros de quem toma muito vinho. a barba bem feita. o cabelo curto e volumoso esboçava cachos prateados, como nuvens brancas em um céu negro. tinha os dedos da mão longos e finos. a luz lhe batia dura, mas gostava do sol. era grego. não, italiano. talvez fosse espanhol. beleza de estátua, fora do tempo e do espaço. será que era isso? chamei-o de carlos.

16/11/2012

coisa coração é coisa indomada

tirei o monstro da gruta e o soltei nos campos do coração. a maçã não basta, eu preciso da carne, do sangue. eu preciso sentir o gosto do couro rasgado. essa coisa de máscara... de beleza intransponível, intacta, sóbria, quase aristocrática, e que não esconde o buraco do olho. quando a lágrima quer falar, devassa caminho, não há quem, nem onde. fazer das tripas coração. eu sei que é o contrário. o outro é sempre vazio e silêncio, é sempre pipoca no dente. mas agora o sonho é de vidro. coisa de fogo e areia. porque a maçã não basta. isso é coisa de tempo. isso é coisa de tempo.

02/11/2012

sopro, sol da manhã

amor tranquilo não é amor de estátua. amor de estátua é pipoca, pedra e silêncio. amor tranquilo é ponta de sorriso, coração quieto. é sem mistério, sem segredo. sopro, sol da manhã. as estátuas ruem duras, rasgam pele. amor manso é nuvem: evapora, matando devagar.

era dos descobrimentos II

shhhh... shhhh... shhhh... shhhh... 
são só as ondas do meu coração
sinto cheiro de chuva, minhas águas turbulentas
às vezes é bom ter um barquinho
pra perder nos teus olhos
chuva, tem pena! 
molha só os meus pés
estou cansada de remar esse barcoração
azul
eu quero um barquinho azul