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29/01/2013

journal BXIV

terça feira, vinte e nove de janeiro de 1930, 12:50 | deixei meu coração na fila do bandejão com um músico judeu.

26/01/2013

love remembered

se ignorando e se sabendo, passaram um ao lado do outro. eles eram apenas mais uma história no caderno.

14/01/2013

journal BXIII

ela estava ali, sentada no meio daquelas pessoas. todas aquelas pessoas conversando barulhentas e ela. era como se estivesse à parte, como se visse tudo de outro lugar. será que já tinha se tornado uma delas? ela morria de medo disso. se vigiava o tempo todo para não assimilar os trejeitos, as roupas, os cabelos. ela morria de medo de se tornar uma daquelas pessoas porque sabia que quando isso acontecesse, o mundo a engoliria. mas do jeito que estava ali, roupinha listrada, jeitão de menino, ela ainda era uma criança cheia de sonhos. ainda era ela que tinha fome de mundo, e não o mundo dela. enquanto estivesse ali, à parte, ela ainda sentiria o gosto do arroz e do feijão. ela ainda saberia o cheiro da chuva e a cor da saudade.

journal FXVII

journal ontem, journal hoje, journal sempre


21/12/09
Ois people,

Aqui no RU da cité universitaire por vezes tem uns mendigos que almoçam. Não são esses mendigos bebados do metro, são uns velhos de muleta com sacolas, que vira e mexe estão por lá. Hoje me sentei ao lado de um deles, sabendo das possibilidades de uma puxada de conversa. Dito e feito. O sr já me desejava um bom apetite. Aqueles assuntos básicos, de onde eu era, o que eu fazia. Deu sua opinião sobre o cinema, disse que antigamente ia muito à cinemateca. Gostava de Buñuel. Disse que se ganhasse na loteria iria pro Brasil ver a copa do mundo. Neve na Espanha, o bom clima das Ilhas Canárias, contou sobre sua família, voltaram todos para a Espanha. E ele ficou. Sozinho. Quando apertei sua mão na despedida, estava de luvas. Me arrependi de não ter tirado antes para sentir a pele grossa e velha. Senti que meu aperto de mão enluvada deixava ele na mesma solidão que a de 30 minutos antes. Um toque sem tato.

A maioria dos doidos de Paris não passam de pessoas carentes de atenção. O frio e a cultura afastam os corpos e as almas umas das outras. Todo mundo aqui é carente em algum nível. Ninguém se abraça, ninguém se tem. Os mendigos são só mais alguns sozinhos no mundo. Talvez só um pouco a mais do que os outros. Uma vez eu estava no ônibus e sentou uma doida do meu lado. Alguma coisa em mim atrai os doidos, acho que é o cabelo. Eles olham pra mim e já vem pra perto conversar. Então, uma vez eu estava no ônibus e sentou uma doida do meu lado. Ela gritava coisas com um sotaque africano pesado. Não conseguia entender muito. Começou a falar comigo. E falava, e falava... falou de psicóticos, e de mais num sei o que, que eu só entendia quase nada, balançava a cabeça concordando sempre, sorria de vez em quando. Depois que ela teve seu minuto de atenção, começou a me agradecer de um jeito tão sincero, e até constrangedor, porque eu não entendia o que tinha feito por aquela mulher. Pegou na minha mão, beijou e agradeceu mais uma vez. As pessoas são muito sozinhas nesse mundo.

No RU daqui da cité também tem um passarinho. Um pardal. Ele ficava sempre olhando pra fora da janela piando triste. Piiiiuuuuu piiiiuuuu. Numa solidão! Ficava preocupada por ele. Achei ainda que ia morrer de depressão. Até que n'outro dia tinha mais um pardalzinho por lá. Me tranquilizei. O tempo passou, um deles engordou. Agora sentam os dois, cada um de um lado da janela, olhando pra fora e piando triste. Piiiiuuuuu piiiiiuuuu piiiiuuuuuu piiiiiuuuuuu.

Semana passada eu tinha ido muitas vezes sozinha ao cinema. O cinema é sempre um lugar problemático para os casais ou grupos de amigos, porque sempre sobram cadeiras sozinhas pingadas pela sala. As pessoas, no seu minuto fóbico, pulam uma a cada outra desconhecida. Assim, numa mesma fileira temos 3 cadeiras, uma em cada canto, separando as pessoas - tanto as já sentadas, como as que gostariam de se sentar. No final, a sala escura acolhe todos os solitários, e a tela viva faz esquecer que somos pingos de solitude, aqui e ali, e que a pessoa ao lado também está sozinha.

Nesse fim de semana não fui nenhuma vez ao cinema. Fiquei trabalhando, tentando escrever coisas que fizessem sentido, afundada em pilhas de papel, livros, etc... Quer dizer, como salvei esse email no rascunho para continuar escrevendo ao longo da semana, essa frase já está errada. Fui hoje no cinema ver Max and the Maximonsters. Um filme estranho, meio deprê, meio amedrontador, mas bonito ao mesmo tempo. Falava de um menino que se sentia sozinho. Agora também já estou de férias, ou melhor, fericas, até o dia 4, quando sigo algumas provas. A próxima pausa é em fevereiro. Aqui o ano escolar é picotado em fericas.

Essa semana também nevou. Era o que faltava para o natal. Só que no primeiro dia em que nevou eu estava 1 hora atrasada para um compromisso, então meu primeiro contato com a neve em 5 anos pode ser resumido no medo de escorregar e cair (porque eu corria loucamente) e no frio. Levei muita nevada na cara. Cheguei no compromisso sem conseguir nem falar. No final das contas deu tudo certo, cortei meu cabelo, fiz até penteado, e no final do mês chega um dinheirinho pelo correio. Não, papai noel não mudou de método, é que eu passei num casting mesmo, para a Schwarzkopf. Eu vinha tentando sem sucesso já fazia alguns meses, até que minha sorte deu uma virada e eu passei em 2 seguidos! Fotos no orkut.

Sexta teve festinha de aniversário de um amigo do Clement. Sentei na mesa com as mulheres. Depois de um tempo contando sobre minha vida (a única coisa que se faz em eventos sociais) fui tentar furar a rodinha dos meninos. Depois de um minuto a rodinha se desfez. Voltei para o grupo feminino, conformada, desta vez no sofá. O apartamento era um luxo. Preguei os olhos numa gravura. Reconheci o traço, mas não quis acreditar. Firmei o foco e lá estava o nome, inconfundível, Picasso.

Sábado teve festinha aqui em casa. Saquei minha super lista de contatos do celular. Contei 19 pessoas. Destas fazia sentido chamar umas 8. Nossa, uma super festinha! Só que 2 viajavam, 3 deram um bolo (ou como eles dizem por aqui - no melhor portucês, ou ainda franguês: "puseram o lapan". pra quem reclama a língua verdadeira e original, antigamente reconhecida como a dos nobres, a expressão vira "poser le lapin"), voi-là! No final é tudo bolo pra gente. Ainda assim, com meus 3 convidados resistentes, bebemos 2 garrafas de vinho (como os bons franceses que secam garrafas e garrafas em minutos), um gole para cada da boa e velha xiboca, que era presse povo conhecer a boa mistureba brasileira, e ainda um copinho de caipirinha*. Aí tivemos que parar por causa da hora e dos transportes. Descendo as escadas com a Moldaviana** convidada, ela me dá o prazer dizendo "Essa bebida que você me deu me deixou uuu!" Haha genial! A outra convidada era a vizinha brasileira, então não conta, e a terceira era uma francesa dorminhoca, que quase dormiu no sofá, mas estiquei a cama e, segundo ela mesma, "dormiu como um bebê". Acho que o saldo foi positivo.

Hoje estou aqui, passando frio e fome. Mamis viajou e a casa está vazia. De pessoas e de comida. Estou vivendo a base de madeleines (bolinhos), bananas e suco de laranja. Ainda bem que ela chega amanhã!

Essa semana, como a neve já anunciou, também é o natal! E como não é preciso ser nem mendigo nem passarinho para ser sozinho, aqui em casa vamos ter a ceia dos desmamados, ou ainda, a ceia dos despatriados. Uncle vem com Vitor John representar a família; Zé; Mamis; Eu; Aí tem a filha duma amiga da minha tia (que esse mundo ovico fez questão de me cruzar no caminho); E talvez um colega da aliança francesa (que esse mundo ovico também fez questão de me cruzar no caminho)... Todo mundo acolhido no natal dos abandonados. Minha contribuição para a ceia foi a farinha (da futura farofa) e o guaraná! Sim, em Paris também tem guaraná, o original do Brasil, na lojinha "Coisas do Brasil" mais próxima da sua casa! Quanto ao ano novo, o plano é que os amigos do Clement me acolham. Era eu a desmamada, abandonada, despatriada, sem amigos, nem programação, contando minha miséria para as meninas do sofá, quando elas se comoveram, e fizeram questão de me incluir nos planos da virada parisiense (que pelo jeito não é a melhor do mundo, por incrível que pareça).

Bom, então, pra não me prolongar muito, já me prolongando um pouco mais, ficam nessas linhas os meus votos natalinos para todos vocês, meus queridos amigos! UM LINDO NATAL, CHEIO DE LUZINHAS, PRESENTES, COMIDA BOA, CALOR, AMIGOS E FAMÍLIA POR PERTO! Para o ano novo, como a saída do journal agora é um mistério, ficam meus votos de MUITA SAUDE, ALEGRIAS E REALIZAÇÕES EM 2010! E agora vem a frase final de declaração que é pra terminar o email no clima da partilha dos sentimentos, no clima de comunhão, porque a verdade é que aqui ninguém é passarinho, nem mendigo, nem sozinho nesse mundo nevento.

Um grande beijo cheio de saudades pra todos! Amo muito vocês! E se não antes, até o ano que vem!!!

Ps*: pai, eu não sou alcoolatra.
Ps**: quem mais não sabia da existência da Moldávia? _o/

02/01/2013

journal RI

de pintos, peitos e periquitas a praia é abundante. crianças roliças e mulheres roliçantes rolam na areia. e nessas passagens simbólicas algumas coisas ficaram, como o menino que ainda puxava um carrinho bip bip pela calçada, ou o ruivinho que corria na areia, a sunga quase tão vermelha quanto seus cabelos. o resto passou. os bancos de praça, os travestis, os chinelos, os cachorros e o baby wipe. muita coisa passou pela pele, pouca coisa virou pinta. os vickings, piratas e ciganos, por exemplo, sempre mancham. paguei 10 reais por poesia barata. o suco acabou em um gole. o passo tinha cheiro de tinta, cheiro de francia. a revolução eram borboletas de papel sujando as ruas. o centro estava tranquilo e nem era domingo. me perdi em uma travessa cheia de histórias de amor. comecei tímida, incerta. depois fui me empolgando. poesia boa não tem preço. as fachadas da memória foram restauradas, tudo por dentro mesmo, porque aqui a coisa medo ainda ronda. olhei para omar e cansei do amor. fui embora sem dar tchau. desisti da minha cama e quase engasguei com a uva da formatura. acho que lido melhor com dinossauros do que com baratas.