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04/07/2012

journal FIX

são dias de pensamentos, e não linhas...


05/10/09
Ois pessoas!

É seguindo meus princípios de rebeldia que digo agora: cansei desse journal! Toda vez é a mesma coisa, um emailzão metido a engraçadinho! Será que estamos condenados a nos ser pro resto de nossas vidas? Mas que chatice! Por isso, nesta edição especial número 09 do ano 09 vou tentar dar uma bola na mesmice e escrever uma coisa diferente. Pelo menos um pouquinho diferente vá, assim, só pra dar uma enganadinha na rotina. Que venha o brainstorm! Assim, tudo jogado mesmo, que nem loja de roupa a quilo!

Na verdade eu penso tantas coisas ao longo dos dias, que vou esquecendo de acordo com o fluxo que segue. Sai da frente que atrás vem gente! Por exemplo, se eu tivesse feito o colégio nessas terras, teria passado com mais facilidade na matéria de física. O vai e vem dos vagões do metrô e do bonde fazem a gente prestar mais atenção no deslocamento dos corpos.

As mulheres e os homens também, a cada dia ficam mais feios, ou menos bonitos. Talvez eles nunca tenham sido realmente bonitos, mas aquele inegável fator europeu nos cega assim de primeira. Depois que o deslumbre, ou miopia europeia, passa, aparecem as olheiras, os desgrenhados, os fedores, as unhas sujas, as roupas rasgadas, as peles estragadas e aquele jeito estranho, um jeito que assim, de primeira, deslumbradamente, é muito convidativo, mas que na verdade tem um certo fundo amargo, mal humorado, chato, frio e mesmo superficial de ser. E é todo mundo no seu mundinho, com seus ipods, malas e sacolas pra lá e pra cá, como uns caracóis apressados, esbarrando, às vezes pedindo licença, sempre bufando, sempre reclamando (um pouco como eu aqui agora) e olhando torto um pro outro.

No final das contas dá tudo na mesma. Agora tenho medo de pegar piolho. Fico sempre atenta pra ver quem senta no banco atrás do meu. As escadas são uma constante. E tudo passa, até a uva passa. O vento passa, o frio passa, o bonde passa, as bicicletas passam, as pessoas passam, eu passo. A minha existência nessa cidade vai ser tão significativa para os parisienses como a de alguém que está em Brasília e que nenhum de nós conhece, nem vai vir a conhecer, ou como a nossa própria existência para o resto do mundo. Quanta crise! Mas é assim. Eu vejo umas pessoas que nunca mais vou ver na vida passando pra lá e pra cá dentro dos vagões, virando uns borrões vagos na memória.

E os cachorros. Grandes, magros e feios. Pequenos, gordos e peludos. Todos metidos. Eles passam também, cada um com seu dono. Ou seriam eles os donos? Cara de um focinho do outro, como no início do desenho dos Dálmatas. Por isso que tem um monte de cocô na rua. E mendigos. Cada um com um bichinho no colo. Cada um com uma cara mais de abandonado do que o outro, pra ver quem desperta mais piedade. E esta também passa por uma crise existencialista. A ajuda nunca é realmente bem vinda. Os poucos centavos são sempre seguidos de algumas bufadas ingratas.

E tem os barulhos que passam no dia a dia. As sirenes das ambulâncias que não deixam um ponto de silêncio na cidade; As sirenes dos metrôs que aceleram os passos e estimulam alguns saltos à distância; As risadas dos jovens alegres, estrangeiros ainda encantados, talvez míopes, que fazem piquenique aqui no jardim em frente (ou pelo menos faziam, já que o outono é o começo do fim das alegrias veraneias); Os traços surdos das musicas que as pessoas escutam em alto volume nos fones de ouvido; Umas buzinas nervosas perdidas aqui ou ali.

Os bebês loirinhos, negrinhos, japinhas, bebês por todos os lados também passam. Nos carrinhos, nos cangurus, nos moisés. Bebês e babies de todos os tipos, pra lá e pra cá, com seus bichos, mamadeiras, todos chupados, pendurados, olhando pra lá e pra cá, tentando entender as luzes, os barulhos e as caras. Alguns sorriem, outros desconfiam. E mais mendigos, já com as idéias avariadas, que babam e cheiram esquisito, uma mistura de cigarro, cerveja e poeira, que gritam ou dormem nas estações. Os jovens pais, os descolados, os badboys, as badgirls, os velhos finos, outros nem tanto, os business men, as business women, os muçulmanos, os africanos, os brasileiros. Todos no fundo mais caretas do que a gente imagina, e sempre passando, borrando na minha memória. Os jornais, os poketbooks e os fichários. Mais do que caderno, vale mesmo são as folhas soltas, perdidas cada uma num buraco da bolsa, voando pelo chão quando tudo vai por terra. Os sapatos passam pra lá e pra cá, um mais feio que o outro, mais velho, ou mais sujo. E o medo de atravessar no sinal, porque o que abre pra um nem sempre fecha pro outro. Também tem os doces nas vitrines, a coca-cola quente e os pães debaixo do braço. Os molhos, os cremes, as massas. A falta do sal. Do alho. Do feijão e da mandioca.

Espremo as idéias (como as laranjas brasileiras são espremidas para virarem os populares sucos de laranja engarrafados que eles vendem por aqui) para ver se consigo algum sumo de história a mais para contar. Sinto que falta alguma coisa. Eu penso em tantas coisas ao longo dos dias, não é possível que sejam só essas linhas... são dias de pensamentos, e não linhas. Infelizmente não temos muito poder sobre as idéias. Elas vem e vão, pra lá e pra cá, passam como as pessoas, os cachorros, os sapatos e os bebes. Como eu. E como os sentimentos. Que vem e que vão assim, e a gente nem ve direito (ou seria nem sente direito?). É raiva, ciúmes, medo, inveja, tristeza... Quanta coisa ruim! Mas também tem saudade, amor, alegria, bem querer. E eles vão se misturando um no outro. E vão diluindo um no outro, virando um o outro. E daqui a pouco tudo passa e a gente sonha a noite. Eu sonho com morte, assassinato, suicídio e vampiros. O vampiro era o Jonny Depp então não foi lá um pesadelo.

Além dos ipods, dos livros, dos barulhos e da uva, também passam as horas. Corridas como os caracóis esbarrentos. Escorrem pelo dia e a gente nem vê direito (ou seria nem sente direito?). E agora já é meia noite aqui. E sete aí. Uma maluquice esse fuso-horário. Meu dia termina quando o de vocês começa. E vice-versa. Quem é que tem mais tempo? Eu que começo o dia mais cedo ou vocês que terminam o dia mais tarde? Sobra o sentimento de inutilidade, de desperdício.

Sobram também as ruas, as placas e os mapas, todos já mais familiarizados com a minha memória fotográfica. Vira e mexe me reconheço num lugar e já sei chegar no outro, só de lembrança. Assim, num piloto automático sem gps. Ainda um orgulho para uma brasiliense. E esse email existecialista, talvez um tanto pessimista, ou um tanto melancólico, mas nem por isso depressivo ou triste (de acordo com o dicionário informal fornecido pela internet), vai chegando ao seu final. Paris será sempre a cidade das luzes, o pólo da moda e do cinema intelectual. Paris será sempre Paris. E eu, pelo visto, também estou condenada a me ser pro resto da vida, porque mesmo tentando dar uma bola em mim mesma, acabo tropeçando nos próprios pés. O journal continua um emailzão metido a engraçadinho... No final das contas dá tudo na mesma, nada muda, nem a surda muda.

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